Em nome de um “bem maior” ideal, muita violência ao longo da história gozou de justificativa. Como proferiu Ovídio em Heroides: “Exitus acta probat” (Os fins determinam os meios). As ideologias são conhecidas a ponto de menções a nomes serem desnecessárias, pois é de um “óbvio ululante” caso o leitor tenha se debruçado alguma vez sobre a história do Século XX.
Ideologias passam por mutações. Um dos exemplos evidentes de nosso tempo é a teoria marxista de classes servindo como premissa-meio-fim de análise para problemas cujas peculiaridades dispensam, de uma forma ou de outra, o olhar maniqueísta forçado sobre tais.
George Floyd, afro-americano de 46 anos morto em 25 de maio por asfixia provocada por Derek Chauvin, policial que ajoelhou-se sobre o pescoço de Floyd, imobilizado no chão, foi o estopim de protestos contra o racismo nos Estados Unidos.
Os protestos possuem uma tese válida — embora infundada diversas vezes, o que não proíbe que cidadãos americanos saiam às ruas para protestar, gritar e indignarem-se com a visão que assumem quando confrontados com o fato inegável de um homem ter sido assassinado por um grupo policial pouco qualificado.
Como diz o antigo ditado popular desconhecido pela geração atual, o castigo vem a cavalo.
Caso George Floyd tornou-se justificativa para violência
O caso George Floyd era antes sobre violência policial; agora, o caso George Floyd virou categoria jornalística que aglomera diversas matérias sobre protestos violentos em que os saldos são mortes, prejuízos econômicos e devassidão moral. Explico.
St. Louis, Missouri, foi palco, assim como diversas outras cidades até mesmo fora dos EUA, de protestos violentos com a bandeira do “antirracismo”. Numa dessas noites violentas, o policial negro David Dorn, 77 anos, pai de 5 filhos e avô de 10 netos, foi baleado no torso e morreu na calçada em frente a loja na qual fazia a segurança. Em meio a saques incessantes e generalizados, o alarme da loja na qual Dorn fazia a segurança disparou pois estava sendo roubada. Ninguém foi preso e não existem suspeitos, disse o St. Louis Post. A delegacia do local ofereceu US$ 10 mil por informações que pudessem levar até o assassino de Dorn.
No dia 2 de junho, o presidente americano Donald J. Trump tweetou em sua conta oficial:
David Dorn não foi o único policial atingido e morto em meio aos protestos violentos que, segundo a sua própria família, Floyd não se orgulharia. Não houve protestos em nome de David Dorn.
Como disse Bim Afolami, membro do Partido Conservador britânico desde 2017:
Black Lives Matter, just as long as you agree with us.
A corrupção moral de nosso tempo
Segundo uma pesquisa feita para o Programa William F. Buckley da Universidade de Yale, graduandos universitários concordam que a América é uma nação racista e que saques e protestos violentos são justificados.
64% dos entrevistados concordam que:
- Existe um “racismo sistêmico”;
- saques e tumultos são justificados em algum grau;
- a atenção deve ser chamada por todos os meios necessários.

Os resultados desta pesquisa endossam os ditos de DiAngelo, Best-Seller no The New York Times. 51% dos graduandos com 24 anos ou mais jovens disseram que a nação está “indissociavelmente ligada à supremacia branca” e que a maioria está “excluída da promessa americana de igualdade”.

“O pesquisador Jim McLaughlin observou a diferença nas opiniões dos estudantes para o fato de que eles cresceram sob o primeiro presidente negro do país, Barack Obama”, diz o Washington Examiner.
“Os estudantes de um país que elegeu um presidente biracial não uma, mas duas vezes, e produziu vários bilionários negros acreditam que seu país é racista”, disse ele.
O US$ 1,2 trilhão de “Black Money”
O que o pesquisador diz é interessante, vejamos pelo lado econômico. No relatório Black Dollars Matter: The Sales Impact of Black Consumer, diz que os afro-americanos gastam US$ 1,2 trilhão por ano.
Segundo o mesmo relatório pela Nielsen:
Os afro-americanos compõem 14% da população dos EUA, mas têm influência superior aos gastos com itens essenciais, como necessidades pessoais de sabão e banho (US$ 573 milhões), produtos de higiene feminina (US$ 54 milhões) e produtos de higiene masculina (US$ 61 milhões). A pesquisa da Nielsen também mostra que os consumidores negros gastaram US$ 810 milhões em água engarrafada (15% dos gastos globais) e US$ 587 milhões em bebidas refrigeradas (17% dos gastos globais). Produtos de luxo e não essenciais, como fragrâncias femininas (US$ 151 milhões de um total da indústria de US$ 679 milhões), relógios e relógios (US$ 60 milhões de US$ 385 milhões em gastos gerais) e até mesmo colônia infantil (US$ 4 milhões em US$ 27 milhões) também jogam bem para um público que está interessado em imagem e autocuidado.
Veja este gráfico, por exemplo:

Os consumidores negros são responsáveis por uma quantidade desproporcional de vendas de produtos em várias categorias de bens de consumo em movimento rápido. Mais uma vez, com US$ 1,2 trilhão em poder de gasto, os consumidores afro-americanos são uma população importante para marcas inteligentes que querem aumentar a participação de mercado e a preferência da marca. Mais importante, os dados sugerem que os gastos dos consumidores negros já afetam significativamente o resultado final em muitas categorias e indústrias, e as marcas não podem se dar ao luxo de perder favores ou tração com este segmento sem potencial impacto negativo.
A América é o melhor país para ser negro em termos econômicos — isto é, quando protestos “fiery, but mostly peaceful” não destroem as economias afro-americanas.
O prejuízo da violência como saldo
Segundo a Axios, “o vandalismo e os saques após a morte de George Floyd nas mãos da polícia de Minneapolis custarão à indústria de seguros mais do que qualquer outra manifestação violenta na história recente”.
Como funciona: uma empresa chamada Property Claim Services (PCS) tem acompanhado os sinistros de seguro relacionados à desordem civil desde 1950. Ele classifica qualquer coisa acima de US $ 25 milhões em perdas seguradas como uma ‘catástrofe’, e relata que a agitação deste ano (de 26 de maio a 8 de junho) custará ao setor de seguros muito mais do que qualquer anterior.
Esse número pode chegar a US$ 2 bilhões e possivelmente mais, de acordo com o Insurance Information Institute (ou Triple-I), que compila informações do PCS, bem como de outras empresas que relatam tais estatísticas.
Os protestos relacionados à morte de George Floyd também são diferentes porque são difundidos. ‘Não está acontecendo apenas em uma cidade ou estado – está em todo o país’, diz Loretta L. Worters, do Triple-I, à Axios.
E ainda há o alerta: como os protestos ainda estão acontecendo — alguns não impulsionados pelo caso George Floyd —, as perdas podem ser significativamente maiores.
Existem diversos casos de tumultos, saques e incêndios criminosos que prejudicaram empresas minoritárias. Brad Polumbo, jornalista e editor de opinião do FEE compilou 10 dessas empresas.
- Private Stock Premium Boutique, uma loja de roupas de propriedade negra com sede em Austin, Texas, foi saqueada e deixada em ruínas durante os tumultos.
- Bole Ethiopian Cuisine, um restaurante étnico em Saint Paul, Minnesota, foi queimado, vandalizado e destruído durante tumultos.
- Guns and Roses Boutique, uma boutique de Dallas, Texas, foi iniciada por uma empresária negra que construiu seu empreendimento de moda do zero. Foi saqueado e deixado em ruínas durante tumultos.
- Go Get It Tobacco, uma loja de tabaco de propriedade negra em St. Paul, Minnesota, foi vandalizada, roubada e deixada em farrapos.
- King’s Fashion, uma boutique da Filadélfia, foi queimada e deixada em camadas de fuligem. Seus proprietários minoritários “construíram o negócio ao longo de duas décadas, trabalhando sete dias por semana”.
- MN Fashion and Jewely, uma joalheria em Minneapolis, Minnesota foi invadida e saqueada, deixando seu proprietário, Masum Siddiquee, para pegar as peças.
- Scores Sports Bar, um bar de esportes de Minneapolis, foi uma criação de um bombeiro negro que usou suas economias de vida para iniciá-lo. Ele tinha planejado abri-lo em junho. Os manifestantes queimaram-no até o chão, e os proprietários não tinham seguro.
- Healing Path Wellness Services, uma clínica de saúde mental de propriedade minoritária de Minneapolis do Sul, foi queimada, saqueada e destruída.
- Ihman’s Hair Studio, um salão de beleza da Filadélfia, foi saqueado . A dona escreveu que ela está “magoada e zangada por meu povo vandalizar e destruir um negócio de propriedade negra”.
- Kane’s Barbershop and Altatudes, uma barbearia minoritária em Austin, Texas, foi queimada durante tumultos e extensivamente danificada.
Coreco Ja’Quan Pearson, mais conhecido como C. J. Pearson, ativista político conservador de 18 anos, arrecadou US$ 160 mil para ajudar propriedades negras danificadas em protestos.
Saques e a anestesia do senso moral
Como nem tudo são flores, há quem defenda intelectualmente — e com isto quero dizer com responsabilidade, fazendo uma separação entre jovens perdidos entre a falsa dicotomia vida/propriedade e quem defende com unhas e dentes os protestos violentos — os incêndios, os saques, portanto, a violência. É o caso de Vicky Osterweil e seu livro In Defense of Looting: A Riotous History of Uncivil Action. O resumo do livro cabe na frase da autora: “o saque é uma ferramenta poderosa para provocar mudanças reais e duradouras na sociedade”.
Segundo a autora, numa entrevista concedida ao New Yorker, fazer parte de algum movimento mas não “revolucionar” — a palavra revolução é usada várias e várias vezes em seu livro —, ou não fazer parte dos saques “é uma espécie de retrocesso, porque não há movimento sem esses momentos de tumultos, saques e destruição de propriedades”.
Ainda segundo a autora, os saques são justificados pois “as pequenas empresas também oprimem a comunidade de forma semelhante que as grandes empresas fazem, muitas vezes mais diretamente. Essa forma de opressão é real, e quando as pessoas se revoltam e saqueiam, elas estão revidando contra essa forma de opressão”.
Numa outra entrevista, esta concedida ao podcast CodeSw!tch e veiculada nas redes da estação pública de rádio NPR, a autora, em resposta à pergunta inicial, diz que “quando uso a palavra pilhagem, quero dizer a expropriação em massa de propriedade, furto em massa em lojas durante um momento de agitação ou motim. É isso que estou defendendo.”
Como se o grau de atrocidade diminuísse, Osterweil faz uma ressalva:
Não estou defendendo nenhuma situação em que uma propriedade seja roubada à força. Também não é uma invasão doméstica. É sobre um certo tipo de ação que ocorre durante protestos e tumultos.
Como disse Brad Polumbo, em um de seus artigos, na Free Economic Education:
Por um lado, a definição de Osterweil de pilhagem é inconsistente. Ela define saque como ‘nenhuma situação em que a propriedade seja roubada à força’. Mas ela também diz que é ‘a expropriação em massa de propriedade, furto em massa em um momento de convulsão ou motim’. Por definição, a ‘expropriação de propriedade’ em massa durante um motim é roubar propriedade à força.
Quando uma multidão atravessa um shopping, quebra janelas, enche seus bolsos e incendeia o local, eles estão usando a força para pegar o que querem, violando os direitos dos outros. Obviamente, isso é feito com força.
O leitor que tiver estômago que leia a entrevista na íntegra. Os trechos por mim citados se dão por suficientes para — pegando emprestado o termo da literatura psicológico-forense — evidenciar a “anestesia do senso moral”. O caso é psiquiátrico. Caso você tenha emprego, tenha família e amor por ela, você não faz parte do público alvo de Osterweil.
Malucos existem em qualquer lugar, e Osterweil parece não ser a única em defender a ‘pilhagem’, os roubos e os saques.
Na pesquisa para o Programa William F. Buckley da Universidade de Yale, já anteriormente citada, 64% dos universitários acredita que “something needs to change and we need to draw attention to this problem by whatever means necessary” [Algo precisa mudar e precisamos chamar a atenção para este problema por todos os meios necessários].
Sendo fiel a interpretação da frase “todos os meios necessários”, o método proposto e defendido por Osterweil torna-se uma tática viável e defensável no meio universitário americano. Eu finalizaria pedindo ao leitor para não se assustar caso esse pensamento por aqui seja difundido, mas ele já é. Os religiosos sociais já o propagam, talvez sem um nome, sem uma bandeira definida.

Colunista de opinião do @midiainsurgere
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